Muito além dos lençóis: o novo estilo dos motéis de Porto Alegre
Hoje, para um motel ter sucesso, sexo é apenas um dos elementos da sedução
Cai a noite nas regiões boêmias de Porto Alegre. Nem os pedestres que migram de um bar para o outro, nas ruas João Alfredo e Padre Chagas, nem os que aguardam para entrar nas casas noturnas da Avenida Independência desconfiam do carro de lataria e vidros negros estacionado à calçada. Até ele começar a balançar.
Risos, tentativas de espiar película adentro, filmagens com o telefone celular. As reações nos diferentes pontos da cidade estão registradas em vídeo. Minutos depois, um casal - ela descabelada, ajeitando as roupas, ele ainda sem camisa - sai do veículo cumprimentando os curiosos e distribuindo panfletos com os dizeres: "Faça no local certo".
O rebuliço todo era uma encenação. Uma ação do Motel P90 feita sob medida pela agência de publicidade Duplo para chamar a atenção nas ruas e no YouTube, em que o vídeo foi postado e viralizado. Mais do que uma sacada de marketing para tornar a marca conhecida no mercado, a ação do P90 é reflexo de um movimento dos motéis da capital gaúcha provocado mais por necessidade do que por vontade: ir em busca do cliente. Para tal, tanto o "approach" quanto os serviços mudaram.
Diretor da área do Sindicato de Gastronomia e Hotelaria de Porto Alegre (SindPoa) e proprietário do Medieval e do Sherwood, Eduardo Santos aponta o final da década de 90 como a grande mudança não só dos motéis, mas da forma como as famílias passaram a encarar o sexo. Até ali, a maior parte da clientela era composta por jovens casais com acesso ao carro dos pais, mas impossibilitados de transar em casa. O motel, por sua vez, era um recanto de que pouco se falava, mas muito se usava. Essa relação se inverteu.
- É curioso, mas por questões de segurança, as famílias foram forçadas a ser menos moralistas. Os pais deixaram de ver problema em os filhos transarem em casa com os namorados. Preferem eles amparados do que a perigo por aí. Em outros tempos, aos finais de semana, a fila de carros ia até lá na rua - relembra Santos.
Desde 1998, segundo estimativa do sindicato, a queda de movimento nos motéis associados foi de aproximadamente 30%. Seria muito maior, apostam os donos das principais redes moteleiras da Capital, se eles não tivessem corrido atrás do prejuízo.
- Pode ter sido ruim para nós, mas o resultado disso é bom para o cliente. Hoje ele tem uma variedade maior de suítes, de opções bacanas, por um preço menor - atesta Gilberto Dionisi, da rede Verdes Pássaros, que abrange o Motel dos Alpes, o Cálidon e o Sahara, em Cachoeirinha.
Se os filhos passaram a dividir lençóis tranquilamente em casa, os pais têm hoje nos motéis uma solução para a perda de privacidade e o consequente descuido com a intimidade. À base de cadeiras eróticas, ofurôs e barras de pole dance, casais bem casados percebem que uma transa longe do lar, jogando a esposa pelas paredes, pode ser muito mais divertida do que no quarto do apartamento, com o cachorro raspando na porta.
Ao mirar adultos, os motéis acertaram um público ainda mais surpreendente. Acentue o problema da privacidade, adicione reposição hormonal, Viagra e bastante tempo livre e você entenderá porque os netos ganham cada vez menos blusões de lã e os campeonatos de dominó andam às moscas.
- Foi a mais legal das surpresas desde que abrimos. A procura por casais de terceira idade, que redescobrem a sexualidade com a aposentadoria. Temos até um casalzinho de octogenários. Quando saem, encontramos as toalhas todas dobradinhas - relata o dono do P90, Ney Chrysostomo, que fez questão de deixar "por conta da casa" a última das visitas.
Para Santos, do tradicional Sherwood, promover festas em motéis dá mais incomodação do que lucro. Mas é exceção. Novidade na década passada, hoje são poucos os motéis que não oferecem espaços amplos com churrasqueira. A ideia é receber festinhas para até 30 convidados, atraídos mais pela curiosidade do que pela sacanagem. São eventos como chás de lingeries, despedidas de solteiro e celebrações de firma. O toque opcional de sacanagem pode ser a presença de uma stripper ou de uma desinibida vendedora de sexy shop.
Mais inocente do que isso, só mesmo usar o motel para comer, dormir e trabalhar. Pois há também essa opção. Em eventos que saturam a rede hoteleira de Porto Alegre, como a Expointer, os motéis viram dormitórios para grupos de outros Estados e países.
- Semana passada mesmo passei a madrugada negociando hospedagem para uns 50 japoneses - exemplifica Ney.
A fronteira final é atrair o pária dos párias dos motéis. O grande chinelão. O pedestre. Estabelecimentos que oferecem desconto em apartamentos sem vagas de garagem têm se surpreendido com a procura. Ainda em setembro, em plena Júlio de Castilhos, será inaugurado o Center Verdes Pássaros. Serão 18 "lofts" e nenhuma vaga de garagem. Carro, só em prédios-estacionamentos vizinhos.
- A região está valorizada e faltava uma opção de qualidade, com pequenos luxos, como internet para quem quiser aproveitar o tempo no Centro. Se der certo, temos como dobrar imediatamente a capacidade - explica Dionisi.
Buscar novos consumidores foi uma necessidade, mas há dois públicos com que o motel dificilmente deixará de contar. As acompanhantes, como preferem ser chamadas as garotas de programa agenciadas por sites, e os adúlteros. Dono do Taikô, localizado na estratégica região industrial perto do aeroporto, Vilson Martins percebe as intenções do seu público conforme o horário em que os carros, aos pares, chegam às garagens.
- O pessoal da infidelidade vem bem cedo da manhã, no intervalo de almoço ou logo depois do expediente - atesta Martins, dono também do Blue Motel.
Em horários menos previsíveis, mas sempre diurnos, atendem as acompanhantes. A demanda é tamanha que os programas chegam a ocupar uma em cada três suítes dos principais motéis em dias úteis. Os estabelecimentos procuram ter uma relação de camaradagem com as moças, mas recusam parcerias. Responsável pela filial de Porto Alegre, do Vis à Vis, rede moteleira presente também no Paraná (Curitiba) e em Santa Catarina (Itajaí e Joinville), Alexandre Vilas Boas Badotti vê na grande presença de garotas de programa uma das peculiaridades da capital gaúcha.
Sem arriscar uma explicação para o fenômeno, Badotti aborda o tema com cautela:
- Às vezes, elas pedem para deixar cartões na recepção ou prometem "caixinha" para os funcionários, se eles as indicarem para clientes futuros. Vetamos essas práticas. Nós nos certificamos da idade delas pelo documento e, em geral, termina aí o contato.
Do lado de dentro, sobram histórias para contar. Sara (o nome foi trocado) fez programas pelos mais variados motéis da Capital (conheceu mais de 10) entre 2009 a 2011, antes de retornar à cidade natal com o pé de meia para abrir um negócio. Atendia de três a cinco clientes por dia da manhã até o entardecer. Por segurança, ignorava pedidos para que trabalhasse em residências ou hotéis.
Sara teve de recorrer à administração do motel somente duas vezes. Na primeira, assustada com um fetiche solicitado pelo cliente ainda no carro, ela pediu para ir ao banheiro primeiro. Trancada na suíte, ela ligou para a gerência. Explicou a situação e pediu para deixar o motel pelos fundos. O cliente descobriu-se sozinho, com um recibo da conta e um pedido de desculpas rascunhado no verso. Para alívio dela, jamais a procurou novamente. A segunda situação foi mais cômica do que tensa:
- Na empolgação, me joguei na cama de costas e bati com a nuca em uma cabeceira de mármore. Acordei com três enfermeiros ao meu redor. Por sorte, o cliente era médico e não se assustou tanto, coitado.
- Existe uma lenda de que motel é dinheiro fácil. De que ser moteleiro é só trocar lençóis e ficar milionário. Bom, para começo de conversa, nenhum negócio que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, pode ser considerado fácil - declara Dionisi.
Manter uma equipe preparada para servir com igual desenvoltura a qualquer hora do dia é apenas um dos desafios dos administradores de motel. Nenhum deles dorme longe do telefone celular, e os problemas são frequentes. Calotes, por exemplo, são ocorrências semanais desde que o Vis à Vis chegou à Avenida do Forte, na Zona Norte, em 2004. Após usufruírem da estadia, os clientes simplesmente declaram não ter dinheiro.
- Eles sabem que não podemos prender ninguém, e abusam deste direito. Mulheres, principalmente. O que podemos fazer é, percebendo que se trata de um golpista, complicar ao máximo. Chamar a polícia, assinar uma promissória... Até deixar estepe já deixaram. Enchemos tanto a paciência que eles podem até não pagar, mas não voltam porque sabem que é muita incomodação - explica Badotti.
Toda segunda-feira, Ney chega ao P90 com pesar. Além do movimento fraco, é dia de contabilizar os estragos do fim de semana nas suítes. Lâmpadas coloridas (e caras) quebradas, móveis danificados e tentativas patéticas de furto como a dos rádios de parede (como os automotivos). São cerca de R$ 800 mensais em pequenos consertos - pode parecer pouco, mas equivale a 20 aluguéis da suíte mais barata apenas para cobrir o prejuízo.
No Vis à Vis, Badotti relata um problema corriqueiro e inusitado:
- Sei lá o motivo. Talvez porque temos esse jardinzão nos fundos. Mas aqui, vira e mexe alguém resolve correr pelado pra fora do quarto.
Não é mole.
Texto: Caue Fonseca