Lomo e Instagram: a mania de fotografar a qualquer hora e lugar
O novo Instagrame a boa e velha Lomo convivem juntos numa febre de fotografia que só tende a aumentar
Falta pouco para a fotografia completar 200 anos. Dois impulsos opostos empurram a produção de imagens para o futuro e para o passado. O Instagram permite que uma imagem captada por celular seja compartilhada em segundos com um número ilimitado de pessoas. Na outra ponta, a Lomografia ressuscita o filme, a revelação, o papel, a surpresa.
Ninguém tem apenas uma Lomo. Não é simples impulso de colecionador. A própria palavra "toycam" remete a uma espécie de volta à infância, claro, mas é também um fetiche adulto: é impossível resistir à variedade de modelos, às sacadas de design, aos acessórios, às diferentes lentes e filmes com centenas de efeitos e aos preços irrisórios dos modelos mais simples, R$ 50. O bom é constatar que trata-se de um hobby generoso.
- Tenho umas seis Lomos, mas já tive 12. Quando aparece alguém legal que demonstra muito interesse, é muito bom poder dizer: "Gostou? Pode levar!" - explica o editor de Fotografia de ZH, Júlio Cordeiro (no autorretrato ao lado).
A fotógrafa Deb Dorneles (no autorretrato acima) também compartilha o amor pela Lomografia de um jeito peculiar:
- Sempre que vou a um barzinho, deixo a câmera em cima da mesa de propósito, para as pessoas perguntarem o que é. Então deixo que elas mexam e fotografem. Também empresto as minhas para os meus alunos experimentarem outras possibilidades.
Uma idéia recorrente de Deb é estender para fora da sala de aula a paixão pela Lomo. Seus cursos na escola Projeto Contato se realizam em um fim de semana de teoria e saída de campo para captar imagens, e outro para a análise da produção. Deb constata que, ao fim do curso, muitos alunos manifestam querer mais. Esse desejo está na origem das Oficinas 135 (em alusão aos filmes 135mm).
- Gostaria de reviver o espírito dos antigos cineclubes ou dos saraus literários, algo como "se você gosta de Lomo tanto quanto eu, vamos tomar um café toda sexta-feira ou fazer um piquenique no sábado e falar sobre isso".
No mundo inteiro as comunidades de lomolovers contam milhares de usuários, que promovem encontros, coletivos, concursos. O "paradoxo Lomo" seria: dois públicos quase opostos. De um lado, jovens All-Star-Ray-Ban-Lomo. De outro, adultos cheios de boas e velhas "memórias Kodak".
Ambos os públicos possuem pen-drives repletos de imagens digitais. A diferença é que, agora, as caixas de sapatos foram reabilitadas. E a ideia de comprar em um brique uma Minolta ou uma Yashica dos anos 1970 já não soa excêntrica.
- É um movimento nostálgico, quase um romantismo - diz Deb, que fez uma opção radical em suas últimas viagens. - Viajei só com Lomo. Queria fazer uma coisa contraditória, fotografar Paris com um filtro escuro, a Torre Eiffel com dupla exposição. Seria a minha Paris. Queria Barcelona só em panorâmica. Virou minha estética de viagem. O resultado é outra viagem.
"Fotos toscas parecem mais crocantes"
Por Raul Krebs, fotógrafo e professor do Centro de Fotografia da ESPM-Sul
A primeira Lomo que tive era uma bem vagabundinha (redundância?) de quatro lentes, meio colorida, e que funcionava em dias ímpares. Ou pares, não lembro bem. As fotos ficavam contrastadas demais porque aos poucos fui descobrindo que, com aquela câmera "horrorosa", eu só poderia clicar em dia de sol e puxando um ponto na revelação (papo de fotógrafo das antigas). Em p&b ficava tudo muito preto e tudo muito branco. E em cor, as fotos ficavam igualmente muito contrastadas, às vezes puxando para um amarelo ou verde não muito bonitos. As cores ficavam feias mesmo, mas era divertidíssimo lembrar de viagens bacanas através daquelas fotos toscas. A tosquice faz parte da brincadeira.
Então, era uma vez Diana.
Eu entendi que precisava "evoluir" na Lomografia. Eu precisava de Diana. Retrô - é azul esverdeada ou verde azulada -, ela me acompanha sempre, é quase uma profissional perto de outras Lomo: filme 120mm, vários focos, diafragmas distintos, velocidades de exposição diversas e, o mais fabuloso de tudo, um flash. Fácil de usar, qualquer criança brinca e se diverte. Diana vai com todos e sabe alegrar qualquer ambiente.
Antes da Diana experimentei uma fisheye linda, preta com uma faixa larga branca. Viciante. Também mora na minha mochila, dividindo apartamento com a Diana.
Fisheye, Diana ou Instagram são diversão garantida nestes tempos de engarrafamentos mais longos e prazos de trabalho mais curtos. A maioria das câmeras toscas que tenho comprei em viagens, usando o raciocínio mais básico de um viajante de mochila: vou fotografar brincando, sem pensar, e gastar pouco revelando as fotos.
Mas como fotógrafo profissional acabei não resistindo e comecei a pensar um pouco sobre a falta de qualidade em fotografia. Talvez seja uma busca por uma linguagem perdida com a avalancha da fotografia digital, sempre muito igual. Em tempo: gosto muitíssimo da fotografia digital, mas procuro não esquecer os bons tempos do filme. São coisas diferentes. Então, não é bem assim fotografar de qualquer jeito, com qualquer câmera, concluí.
Contrariando as regras áureas da Lomografia, ainda acho que um profissional tem que saber o que está fazendo, mesmo com equipamento tosco. Mesmo com telefone cheio de truques e filtros programados.
Parece mais fácil manter o entusiasmo quando eu programo menos o ato fotográfico. Fotos toscas parecem mais "crocantes", mais verdadeiras. Pequenas imperfeições indicam maiores verdades.
Lomo, Instagram, pinhole, fotografia. Produção de imagens massificada da qual fazemos parte, cada dia mais. Isso é ótimo. Como diz o grande fotógrafo Leopoldo Plentz, "tudo isso faz parte de uma alfabetização visual que vem acontecendo". Alguns captam melhor essa alfabetização. Nem todos os instagrammers ou lomógrafos vão virar profissionais do ramo, assim como nem todos os que sabem ler e escrever viram escritores. E o mundo precisa dessa alfabetização visual leve.
Uso o Instagram para diversão e, ocasionalmente, trabalho. Divulgo o que venho fazendo no meu estúdio, envio mensagens fotográficas, curto fotos de amigos que moram longe e registro o crescimento diário do meu filho, Pedro, dividindo isso com amigos e pessoas queridas.
Para terminar, um aviso: fotografia vicia, é droga potente.
Cuidado. Ou não.
Os 10 mandamentos da Lomo
Por Marcela Donini, fotógrafa, jornalista e criadora de #eulomoportalegre
O mais legal da Lomografia é romper com a obrigação da perfeição que a fotografia digital nos impôs. Nem a alta definição ou o foco automático - muito menos o disparo acionado pelo sorriso do modelo - têm importância para quem sai para a rua com uma câmera de plástico na mão. Tanto quanto o resultado das fotos, importa na Lomografia o processo. É divertir-se durante a tomada das fotos - e depois, tentando adivinhar de quem são aqueles olhos sobrepostos a uma copa de árvore (era uma árvore mesmo?).
Nas oficinas que ministro desde o ano passado, em Porto Alegre, vejo a alegria dos alunos mais velhos em voltar a mexer com filme equivaler ao encanto de quem manipula esse material pela primeira vez. A cada nova turma, antigos alunos reaparecem e mais gente chega com sua própria toy camera - às vezes comprada muito tempo antes, mas nunca usada, como se a experiência só fosse completa quando dividida com outros "lomógrafos". Se compartilhar e reunir pessoas são a essência das redes sociais - onde vão parar as imagens reveladas e posteriormente digitalizadas -, a fotografia analógica nunca foi tão atual.
1. Leve sua câmera onde quer quer você vá
2. Use a todo momento, dia e noite
3. A Lomografia não é uma interferência na sua vida, é parte dela
4. Tente fotografar de todas as maneiras
5. Aproxime-se o mais possível dos objetos que movem o seu desejo lomográfico
6. Não pense
7. Seja rápido
8. Você não precisa saber o que foi capturado no filme
9. E depois também não
10. Não leve a sério nenhuma regra
Fonte e texto: SANDRA SIMON